quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

[21] Fim da aventura em Milão - Itália


Lembre-se que a felicidade é um modo de viajar, não um destino
Roy M. Goodman


Tenho que confessar que já estou cansado, afinal foram quase quatro meses de perambulação. Ainda me resta algum dinheiro, mas as energias já estão se esgotando. Tenho a impressão que continuar não seria uma boa idéia, já não aproveitaria mais os lugares com aquele entusiasmo inicial. Havia percebido isso depois de enfrentar as longas viagens para chegar e sair de Cracóvia e já planejava o final dessa aventura aos arredores da Itália. Com um certo novo fôlego adquirido pela comodidade da minha estadia em Roma e com os ares mágicos de Veneza ainda fui até à Suíça, mas agora usufruía das derradeiras horas na Europa.

Andei por Milão sem esquecer em nenhum momento que aquela era a última parada, mas nem por isso deixava de reparar nas vidraças das lojas da capital da moda mundial. Lá estavam expostas roupas caríssimas, que pareciam ser recém-saídas das passarelas. Fotógrafos de diferentes partes do globo estavam ali com a única missão de captar as tendências para a próxima estação. Fotografavam vitrines! E os passeios também pareciam ser eles próprios passarelas, um show de elegância que igual só tinha visto em Paris e Copenhague.

Além da moda a cidade mais cara da Itália não tem muito a oferecer em termos turísticos. É verdade que possui times de futebol de fama mundial como o Milan e a Internacionale, que atiçam o fanatismo do povo italiano, e que também abriga restaurantes de qualidade inquestionável, mas não há muito além disso. De visita obrigatória mesmo, somente o coração da cidade, onde fica a Galeria Vittorio Emanuele II e o Duomo. A primeira é uma galeria recheada de lojas e cafés bastante agradáveis, de arquitetura bastante rica. O segundo é uma igreja gótica belíssima e imponente, com cerca de 3400 esculturas em suas fachadas. De todas as igrejas góticas que vi, esta foi a que mais gostei, principalmente pelo fato de haver bastante espaço ao seu redor, o que possibilita uma contemplação cuidadosa de sua beleza.

Meu último dia na Europa foi bastante cheio, passei escolhendo criteriosamente presentes para minha família. À noite veio a despedida final. Conheci um brasileiro de Poços de Caldas cujas histórias me deixaram arrepiado. No dia anterior, na sala de TV, já tinha reparado nele devido ao seu jeito típico da região onde moro, mas como falava em inglês não pude ter certeza. Naquele meu último dia de viagem quando observava o Duomo, numa tremenda coincidência, o vi novamente, desta vez falando em um “portunhol” que não me deixou dúvidas, entretanto não me dirigi a ele porque estava compenetrado em sua conversa com um imigrante equatoriano. Mas à noite, quando o vi na sala de TV do albergue novamente, não hesitei e perguntei se era brasileiro, e ele me respondeu o que eu já sabia. Começamos a conversar então, e ele começou a contar uma sucessão de histórias que parecia não ter fim. Entre tantas histórias me chamou a atenção a vida de dedicação aos prazeres que tinha tido, especialmente em Nova York onde disse ter morado dez anos tendo ganhado, inclusive, através de uma anistia, status de cidadão americano. Mas como é de se supor, embora tivesse dito que não estava arrependido de nada, baixo era seu saldo de satisfação final. Com a mesma facilidade que ganhara dinheiro, perdera; embora tivesse tido muitas mulheres, estava só; mesmo nunca tendo lhe faltado emprego, não tinha mais uma fonte de renda; e, para completar, devido a uma sucessão de erros, fora preso e perdera a cidadania ianque. Estava ali agora se agarrando a um fio de esperança, se tornar cidadão italiano usufruindo do direito que seus ascendentes geneticamente lhe asseguraram. Queria criar mais uma oportunidade depois de ter perdido tantas outras em sua vida.

Apagaram as luzes, um aviso para que as últimas pessoas que resistiam ao sono se retirassem. Subimos com ele terminando mais uma de suas histórias, naquela semi-escuridão. Tanta era minha curiosidade e tal foi nossa amizade instantânea que, ainda que achasse que pudesse ser em vão, pedi seu telefone de Poços de Caldas e, atendendo a ele, dei-lhe o meu de Machado. Despedi-me triste daquele vulto formado por algum fio de luz teimoso, e da Europa, aquela era irreversivelmente a última experiência não-convencional. Agora era dormir algumas horas e decolar rumo ao Brasil. Eu jamais seria o mesmo.

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