quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

[20] Desafiando os Alpes Suíços - Suíça

A boa viagem é aquela que me revela o valor de
casa e me qualifica para aproveitá-la melhor.
Henry David Thoreau


Só estava um pouco relutante em ir para a Suíça devido ao alto custo de vida lá. Mas ao mesmo tempo não estava disposto a abandonar a Europa sem conhecer os Alpes e este país também conhecido pelo seu chocolate, relógios e bancos. Escolhi uma cidade ao acaso apenas para descansar e contemplar os topos das montanhas cobertos de neve: Gryon, próximo a Montreaux, Brig e Villars.

Sai de Veneza rumo à Suíça e ainda tive que trocar três vezes de trem pra chegar até lá e sempre tendo o horário muito apertado devido aos constantes e inevitáveis atrasos dos trens italianos. Mas imaginava que a recompensa seria à altura. Infelizmente o último mini-trem que peguei (não o perdi por segundos) subiu a quase um quilômetro e meio de altura já de noite reservando-me apenas para o dia seguinte a paisagem. Ainda assim podia ver as sombras assustadoras ao meu redor.

O albergue era independente e tinha um clima bastante familiar. A casa-chalé me foi apresentada por um australiano, assim como as inúmeras regras as quais já estava habituado. Acho que o marketing deles na América do Norte deve ser muito bom, pois o albergue estava recheado de canadenses e americanos.

Não havia muito o que fazer naquele final de noite. Conheci um canadense descendente de pessoas nascidas em Hong Kong e jogamos uma partida de xadrez escutando uma música apaziguadora. Ao mesmo tempo escutava a história de um americano que pensava que iria morrer devido a um corte no dedo! A casa era show-de-bola. Possuía lareira, cadeiras de balançar, decoração rústica e uma cozinha com ótima infra-estrutura. Marquei com aquele canadense e um outro cara de fazermos uma trilha no dia seguinte “The Cross” (A cruz) , uma das mais difíceis.

Logo pela manhã busquei as informações necessárias com a gentil americana da recepção que aconselhou que não parássemos na cruz, mas seguíssemos um pouco mais adiante. Muito bem, tudo esclarecido partimos para algumas centenas de metros morro acima. No começo uma maravilha, não muito inclinado e sem neve. Mas quanto mais caminhávamos mais a dificuldade aumentava. Decidimos não seguir a estrada, mas cortá-la e seguir em linha reta, o que seria mais rápido, mas também mais difícil. O caminho foi ficando cada vez mais íngrime e o chão tornara-se completamente forrado de gelo e neve. Caminhar com tênis comum por aquele chão traiçoeiro naquela inclinação já não era tão fácil e teríamos ainda a nossa frente, depois de duas horas de caminhada, mais uma hora com a dificuldade no seu ponto máximo. Mas a vista ia ficando cada vez mais deslumbrante. No albergue o tempo estava nebuloso e mal enxergávamos um metro a nossa frente, mas agora já tínhamos ultrapassado aquela camada de neblina e a enxergávamos do alto. A linha do horizonte ia se distanciando e mais e mais montanhas podiam ser vistas. Passamos no meio de alguns resorts de esqui que só esperavam mais alguns dias de neve para abrir e, finalmente, atingimos “A Cruz”. A espetacular paisagem estava agora a nossos pés. As pontas das montanhas cobertas de neve estendidas por quilômetros e entre elas uma imensa piscina de algodão. O albergue possuía uma piscina térmica ao custo de uns $30 que poderiam ser divididos, mas para nadar naquela piscina surrealista o preço seria a vida. Os dois canadenses disseram que a menina da recepção deveria estar louca quando disse que poderíamos continuar depois da cruz, a morte rondava aqueles picos. Desde que tinha chegado ali estudava se seria possível ou não continuar e aproveitei um momento de distração dos canadenses que estavam um pouco mais abaixo para seguir. Se vissem o que estava prestes a fazer tentariam me persuadir a desistir. Seguia, imaginando que o medo seria psicológico. Certamente não era muito aconselhável olhar a um dos abismos à esquerda ou à direita, os passos teriam que ser firmes e a ajuda da mão seria necessária em alguns pontos. Segui enquanto deu. Cheguei a um ponto que teria que subir e me apoiar em rochas forradas de neve e um movimento falso com meus tênis impróprio seria o fim. Pensei bem e lembrei da história de Marrocos, limites existem. Contemplei mais um pouco a visão dali e voltei cuidadosamente. Os canadenses a essa altura já tinham me visto e ainda não acreditavam no que viam. Gastamos mais três horas para voltar, já quase anoitecendo.

No dia seguinte fui sozinho a uma cidade vizinha e encontrei algumas argentinas com as quais passei o resto de meu último dia naquele fabuloso lugar. À noite todos fizemos uma fogueira e bebemos vinho, alguns tocavam violão, outros cantavam ou contavam histórias.

Até hoje me lembro do despertar naquele albergue. Acordar e ver aqueles imponentes Alpes emoldurados pelas janelas era uma daquelas sensações indescritíveis...

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