quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

[14] Você acredita em forças sobrenaturais? - Áustria


Viajar é como um jogo de azar; tem-se que lidar com o ganhar e o perder e, geralmente, no momento menos pensado, recebemos mais ou menos o que esperávamos
Johann Wolfgang Von Goethe

Você acredita ? Eu não. Mas primeiro deixem-me falar de Viena, Áustria. A capital do país onde nasceram Mozart, Freud e Hitler é digna de visita. Possui um dos centros mais ricos que já vi, a concentração de prédios com arquitetura imponente por metro quadrado é incomparável, com uma catedral gótica das mais belas, uma outra romântica magnífica, uma prefeitura magistral, um parlamento neoclássico, um palácio imperial constituído por um complexo de prédios, uma universidade, uma ópera e mais alguns museus ! Mais longe ficam os mais tradicionais cartões-postais de Viena - os castelos, e, ainda, um prédio construído em estilo parecido com os de Gaudi de Barcelona, reformado pelo artista Hundertwasser que pregava o retorno do homem à natureza. Muito legal.

Em geral, na Europa, o sistema de transporte é na base da confiança, ou seja, não há nenhum controle rígido para se tomar o metrô, ônibus, bondes. Não há catracas. Sempre dizem que há fiscais espalhados e que se você não possuir o bilhete quando lhe abordarem, deve-se pagar uma multa salgada. Nunca nenhum fiscal me parou e, em Viena, me passou pela cabeça, pela primeira vez, não comprar os passes. Todavia comprei-os. No próximo metrô que peguei, do nada, um cara se levantou, colocou um crachá em seu casaco e começou a pedir os bilhetes ! Eu fui o segundo ! Logo depois de mim um aparente imigrante húngaro mostrou-lhe um com a hora vencida, e na próxima parada teve que descer com o fiscal que provavelmente iria lhe aplicar a altíssima multa…

Logo que cheguei a Viena liguei para a embaixada brasileira para inquirir sobre os vistos para os países do leste. Tive, anormalmente, um ótimo atendimento - comparado com as outras tentativas de contacto com as embaixadas brasileiras, e recebi ao mesmo tempo uma notícia boa e uma ruim. A ruim era que precisaria de visto para a República Tcheca e não levaria menos que uma semana para obtê-lo e a boa era que não precisaria de visto para Hungria e Polônia. Decidi, então, cortar Praga de meu roteiro, seguir para Cracóvia (ex-capital da Polônia) e de lá para Budapeste, capital da Hungria. Comprei o bilhete, já que meu passe não é válido para a Polônia e após a estadia em Viena parti na noite de terça-feira, às 21:25.

Deitei na minha cama na cabine (fui obrigado a alugar uma, pois não havia assentos) e 5 minutos depois um policial veio pedir meu passaporte. Em poucos segundos me devolveu e pude respirar aliviado, Cracóvia já era um destino certo. Ledo engano, mais 5 minutos depois um outro policial pediu o passaporte de novo. Dessa vez entreguei descompromissadamente. Reproduzo abaixo o diálogo que se seguiu

-You have problems. (Você tem problemas)
-Why ? (Por quê ?)
-You don’t have a visa. (Você não tem um visto)
-But I called the embassy and they told me I wouldn’t need one. (Mas eu liguei para a embaixada e eles me disseram que eu não precisaria de um)
-Which embassy ? (Qual embaixada)
-The Brazilian one. (A brasileira)
-You are Brazilian, you need a visa. (Voce é brasileiro, você precisa de um visto)
Outro cara da cabine : - You need a Czech visa (Você precisa de um visto Tcheco)
Me dirigi ao policial novamente:
-I’m not going to Czech Republic, I’m going to Poland. (Eu não estou indo para a República Tcheca, estou indo para a Polônia)
-If you cross Czech Republic, you need a Czech visa. (Se você atravessa a República Tcheca, você precisa de um visto Tcheco)
-But nobody told me I would need to cross Czech Republic and that I would need a visa because of that. (Mas ninguém me falou que eu precisaria cruzar a República Tcheca e que precisaria um visto para isso)
-I’m sorry, you have to get off at the next station, before cross the border. (Sinto muito, você tem que descer na próxima estação, antes de cruzar a fronteira).

Desapontado e desconsolado, minha única esperança era que ele me esquecesse, o que não aconteceu. Perdi a passagem, ou seja, 700 schilling, $50 ou R$135,00. A fronteira era um fim de mundo. Não havia sequer uma cidade lá e o próximo trem para Viena passaria ali às 5:00 da madrugada. De quem era a culpa ? O cara da embaixada foi muito prestativo e me deu até mais informação do que eu pedi. O cara que me vendeu o bilhete também era muito gente boa e perguntou se eu tinha o visto para a Polônia, que nem era sua obrigação. O policial estava fazendo seu trabalho de acordo com o que prega a diplomacia de seu país. Eu ? Nem passou pela minha cabeça que cruzaria a República Tcheca e que precisaria de um visto para isso. Coisas que acontecem…E o que fazer senão tentar esquecer e tocar o barco. Por umas duas horas fiquei imaginando o que faria. A primeira opção era dar toda uma volta pela Áustria, chegar à Alemanha e entrar na Polônia por lá, mas ir para Budapeste se tornaria inviável. A segunda que pensei foi desistir do leste, ir para Zurique atravessando a belíssima paisagem dos Alpes da Áustria e Suíça. E, por último, a que escolhi, ir para a Hungria e lá decidir com mais calma o que faria, se haveria uma outra forma de chegar à Polônia. Com essa decisão, voltaria para Viena e de lá seguiria para Budapeste.

Chegando no primeiro país do leste europeu que iria visitar, um húngaro me abordou dentro do trem oferecendo-me um mapa e indicando um lugar muito caro para me hospedar. Já estava na defensiva com esse tipo de abordagem e quando alguns minutos mais tarde ele voltou, disse-lhe que iria para um albergue mais barato. Então ele me indicou um outro por quase a metade do preço do primeiro local oferecido. Ainda assim me desvencilhei dele na estação e fui buscar mais informações sobre os outros. Não é que o que ele tinha me mostrado pela segunda vez era a melhor opção ? Cheguei ao albergue e queriam me cobrar 20% a mais (o preço normal) mas por causa daquele cara com o qual estava com um pé atrás, paguei mais barato ! Ao entrar no meu quarto, feito todos os registros necessários, encontrei na minha cama 3000 forints (moeda húngara). Após arrumar minhas coisas, ao sair do quarto, falei para a menina da recepção que havia encontrado aquela soma e que se alguém reclamasse por dinheiro perdido, para me procurar. O dono não apareceu e para minha agradável surpresa, vim a constatar depois que, na verdade, eram 30000 forints, $100, R$270 !! Fui recompensado em dobro ! Você acredita em forças sobrenaturais ?

P.S.
Esqueci de falar na última mensagem que no principal museu de Berlim a exposição em destaque é a do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado: Exodus.

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